quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A Partilha



A Partilha



O intercâmbio cultural, social e até político tido e apreendido pelos trabalhadores nos contactos mineiros das gerações anteriores e das gerações minhas contemporâneas, pouco a pouco, quer se queira quer não, foi-se entranhando na mente do povo em geral, com larga influência nos seus hábitos. Sou do tempo em que Cebola adquirira já estatuto de aldeia sui generis com tendências progressistas e cosmopolitas, sem perder ou empenhar a sua imutável essência e consciência coletiva, pontificada pela religiosidade, pelas tradições, pelos princípios e valores fundamentais que nos guiavam, e pelo exemplo e zelo das famílias mais ancestrais e conservadoras – arquibaluartes duma comunidade que sempre se quis. O mundo tomou conhecimento da nossa existência enquanto povo através da importância do minério, do volfrâmio – e veio até nós. Chegou à cata de trabalho, emprego seguro, uma preciosidade difícil de encontrar, a despeito das pesquisas levadas a cabo em todo o terreno de qualquer latitude.

Até ao advento mineiro, entre as aldeias circunvizinhas, por falta de estradas e meios de deslocação, apenas esporadicamente se convivia, e quase se ficava pelas visitas anuais às festas, algumas com estatuto de romarias. Quantas vezes com os sapatos aos ombros, pendurados pelos atacadores, se atravessaram aquelas serras em direção ao Norte – Covanca por aí fora até bem para lá do Piódão, objetivando a Senhora das Preces, Vale de Maceira, já no concelho de Oliveira do Hospital; ao Paul, (Senhora das Dores); a Santa Luzia do Castelejo com os seus famosos bombos –, para cumprir promessas ou apenas para conviver e ver outras caras, novas gentes, e poder ser visto por olhos de novas caras de outras gentes. Mas a partir de então, candongueiros e mulas alugadas, trabalhadores individuais, em grupo ou com as suas famílias das aldeias do concelho e dos concelhos limítrofes, de vários pontos do país e até do estrangeiro, entraram-nos porta adentro fixando-se na Panasqueira, Barroca Grande e Rio, em barracões imitando casernas e casas adrede construídas para os albergar, e trocaram connosco o seu saber e as suas experiências no convívio e na convergência da luta pela vida no novo eldorado, de cujos efeitos nocivos para a saúde ainda havia pouco ou nenhum conhecimento.

Vinham carregados de fé e expectativas; mas não se pense que todos eram brocas e ponteirolas para esburacar o ventre da terra… Não! A maioria, sim, seria pessoal indiferenciado, mas entre eles vinham engenheiros de minas, engenheiros civis, arquitetos, grandes crânios em serralharia e eletricidade, médicos, paramédicos, ecónomos, artífices, além de especialistas em gestão de pessoal e processamento, desenho e contabilidade, e um grande número de administrativos que povoaram apontadorias e o próprio escritório central, com vários departamentos e secções das mais diversas áreas e funcionalidades.

Fixaram-se em bairros dispostos em filas de vários lares contíguos, descendo em socalco pelas encostas, os de emprego mais modesto, já que os quadros médios tinham melhores condições em outros bairros com casas dotadas até com uma pequena horta ou jardim, e os quadros superiores, esses, os senhores doutores e engenheiros, dispunham de bem melhores regalias no chamado Bairro Azul, com campos de ténis, piscinas, etc. Tudo era sustentado por uma Companhia da estranja que possuía também um louvável hospital privativo e cumpria a lei para com o Estado e as autarquias…Tal era o lucro da exploração do “nosso” bem cotado volfrâmio!!!...

A breve trecho todas as comunidades, e o acolhedor povo de Cebola entre elas, por força da natural cumplicidade sustentada em compreensíveis interesses coincidentes, pelo convívio no trabalho, nas coletividades, e na participação em iniciativas lúdicas, culturais e desportivas, levadas a cabo sobretudo pela poderosa juventude cuja alegria e encanto derruba todas as paliçadas sociais ou convencionais, conviviam entre si como se todos pertencessem a uma mesma autoctonia.

Dado sermos os legítimos patriarcas anfitriões, ao mesmo tempo que adquiríamos hábitos, conhecimentos e uma maneira de estar já muito diferente dos conterrâneos do antanho, podíamos servir de exemplo aos desgarrados forasteiros, aquela gente do mundo que nem sequer se conhecia, a viver em comunidade e, sem desprezo pelas raízes, com eles aprender também, com muita gratidão, onde era e como era o mundo.

Constantino Braz Figueiredo




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