segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Sobrenome Figueiredo



 

A origem deste sobrenome está ligada a uma lenda atribuída a um ato heroico, talvez histórico, pretensamente ocorrido perto de Vouzela, junto ou mesmo dentro de um figueiredo,  por volta do ano 783 ou 784, no tempo do domínio mourisco.

De guerreiros lusitanos, companheiros de Viriato, já só restavam descendentes e históricas lembranças  esbatidas pelo tempo, e o mesmo se poderia dizer dos usurpadores romanos que foram enxotados pelos guerreiros de origem germânica, os alanos, suevos e visigodos, que gradativamente foram anexando todas as possessões do Império Romano do Ocidente, até que os mouros ou sarracenos, oriundos do Norte d’África, em cruzadas de expansão comercial e propagação da doutrina de Alá invadissem a Península Ibérica e passassem eles próprios a dominar quase todo este vasto território. Eram também de religião islâmica, mas nada se pareciam com aqueloutros do oriente que professavam a mesma fé, os seljúcidas, bárbaros, cruéis, de uma selvajaria atroz – pilhar, incendiar, matar sem qualquer comiseração era o seu lema. Estes, ao menos, eram cultos e civilizados e comportavam-se com alguma compreensão, dando mostras de aceitação para com os povos dominados e até com eles se misturando e convivendo desde que cumprissem as leis impostas, leis, no entanto, que eram por vezes estranhas e bem difíceis de aceitar por gente de cultura ocidental e prática cristã.

Mas, como todos os conquistadores, tinham as suas exigências e não abdicavam dos espólios, tributos e vassalagens a troco de tácita e hipócrita tolerância. Sabidos!... Muito sabidos. E uma dessas dolorosas e socialmente inaceitáveis imposições do Emir de Córdova, Abderramão (mais tarde os sucessores seriam califas), foi ter decretado cobrar aos vencidos um tributo de 100 donzelas anuais! Imagine-se!... Não era parco a exigir este varrão palaciano!... Estava mal habituado! Inconformados com essa absurda exigência, os fidalgos e o povo ibérico revoltavam-se, resistiam sempre que eles iam cobrar esse tributo, mas quase sempre em vão.

Porém, de uma vez em que os mouros conduziam seis raparigas para entregarem ao emir, num figueiral (ou figueiredo), nas imediações de Vouzela, eram discretamente observados por um destemido fidalgo, Goesto Ansur, natural da zona de Lafões, que por ali andava à caça. Ao ver tamanha ignomínia investiu contra os mouros espadeirando tudo o que mexia – mouros ou mouriscos e árvores que se atravessassem. Quebrada a espada na refrega, pegou num galho de figueira e, tanganhada praqui tanganhada pralá, conseguiu levar de vencida a escolta maometana, logo devolvendo as chorosas e inconsoláveis meninas aos seus pais, excepto a mais bela, filha do dono do figueiredo, pois que, como ali constava, já era a sua prometida – justificação mais que suficiente para tanta procura de “caça” e maior coragem e força desmedida. Quanto aos mouros, tristes, rotos e feridos, foram devolvidos ao emir com a seguinte legenda escrita em pele de bode: las ninas som nosas; se vos apela ordenay vossos hombres en busca de figos, em el figueiredo hay  muytos.

Será mesmo uma lenda? Será, mas os habitantes de Figueiredo das Donas têm muito respeito por ela e crêem, honestamente, que terá alguma verosimilhança com a   realidade, a avaliar pelo documento que “tomei por empréstimo” do seu site, o qual guardam com orgulho e religiosidade, e que será, segundo o dizem, o primeiro poema conhecido no território que só viria a chamar-se Portugal trezentos e cinquenta anos depois…

 

No figueiral figueiredo

a no figueiral entrey,

seis ninas encontrara

seis ninas encontrey,

para ellas andara

para ellas andey,

lhorando as achara

lhorando as achey,

logo lhes pescudara

logo lhes pescudey,

quem las maltratara

y a tam mala ley.

 

No figueiral figueiredo

a no figueiral entrei,

vuma repricara

infançon nom sey

mal ouuesse la terra

que tene o mal Rey

seu las armas vsara

y a mim sse nom sey.

Se hombre a mim leuara

de tam mala ley,

a  Deos vos vayades

garçom ca nom sey

se onde me falades

mais vos falarei

 

No figueiral Figueiredo

a no figueiral entrey.

Eu lhe repricara

amim sse no irey,

ca olhos dessa cara

caros los comprarey,

a las longas terras

entras vos me irey,

las compridas vias

eu las andarey,

lingoa de arauias

eu las falarey.

Mouros se me vissem

eu los matarey.

No figueiral Figueiredo

a no figueiral entrey.

 

Mouro que las goarda

cerca lo achey,

mal la ameaçara

eu mal me anogey,

trocom desgalhara

troncom desgalhey,

todolos machucara

todolos machuqey,

las ninas furtara

las ninas furtey,

la que a mim falara

nalma la chantey.

No figueiral Figueiredo

a no figueiral entrey

 

 

 Mais tarde, como homenagem por aquele acto de bravura, o fidalgo foi agraciado com direito a Brasão de Armas e sobrenome Figueiredo, e aquele local, sendo já um figueiredo ou figueiral, passou a ser habitado e a chamar-se Figueiredo das Donas, em homenagem às meninas, ex-futuras favoritas dos grandes emires, sultões e califas, salvas in extremis pelo tal Ansur.  E o nome do local e o da terra que aí se fundou atravessou séculos e permanece intacto e bem defendido de algum mentecapto que quisesse impor o nome de qualquer orago ou vinho do Dão…  Por analogia, como era uso nesse tempo, a todos os moradores daquela localidade foi concedida a faculdade de usarem o apelido Figueiredo ou “de Figueiredo”, tal como fora conferido a Goesto Ansur de Figueiredo.

A partir daquele ato todos os familiares de Ansur – o herói - passaram a usar o sobrenome Figueiredo, mas a genealogia dessa família só é encontrada com um seu quinto neto,  de nome Soeiro Martins de Figueiredo, conforme registos datados de 1211 e 1245, do tempo dos reis de Portugal D. Afonso II e D. Sancho II.

Figueiredo não deriva, pois, de figueira nem de figueiral; um figueiredo é o mesmo que um figueiral, e uma figueira é apenas uma unidade de um figueiredo ou de um figueiral, portanto está longe de ser o mesmo que oliveira em relação ao olival, de pinheiro a pinhal ou de bananeira a bananal. Considere-se, assim, que um Figueiredo – agora já como nome, por isso escrito com maiúscula – contém toda a floresta, é um todo, um figueiral, enquanto oliveira, por exemplo, é apenas uma unidade de um olival… ou, dito de outra maneira, nunca poderemos tomar um Silva por um silvedo, nem uma figueira por um Figueiredo. Quanto a vós, ilustres cebolenses, e não só, se quiserdes figos procurai um figueiredo… ou figueiral!...

Constantino Braz Figueiredo

 

 



terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Oh, o Passadiço ... que levou sumiço ...

... Mas a sua terra, Cebola, existe e persiste!






             "O lenço da nuvem", visto na China em agosto de 2022










 

Imagens de três versões do belo, poético e inofensivo arco-íris, buscadas e trazidas do Google. Foram captadas por prodigiosa máquina fotográfica, o único instrumento capaz de parar o tempo e roubar-lhe instantâneos para memória e gáudio da posteridade. Três arcos oferecidos à humanidade pela pródiga natureza. São apenas um produto resultante da refração da luz solar nas gotículas da chuva e em  tudo idênticos aos primeiros que os primeiros homens observaram, mas que por nada saberem sobre fenomenologia, para eles olharam com respeito, quantas vezes com espanto e temor, e com ingenuidade os compararam com a amplitude soberana do Universo, que ciclicamente os amedrontava com enigmáticos eclipses solares e lunares e os fustigava com terríveis tempestades - céus plúmbeos e carrancudos carregados de eletricidade estática, que causavam, pelo choque e fricção de ventos a temperaturas diferentes, relâmpagos ou centelhas luminosas com barulho aterrador, (mais tarde classificados de trovões, raios ou coriscos), deslocando-se entre as nuvens a velocidade meteórica e soltando faíscas que por vezes atingiam o solo se atraídas por qualquer íman natural. E ainda lhes impunha doloridos sofrimentos e preocupações pelos efeitos devastadores de tormentosos cataclismos, abalos telúricos e horrendos vulcões.

Mal sabiam esses homens, então deslumbrados e assombrados, que para tudo havia explicação plausivelmente científica, bem simples aliás; e pior, muito pior, desconheciam que, mau grado o seu, ao mesmo tempo emergiam, a seu lado, sagazes personalidades que se iam aproveitando e servindo desse respeito e ignorância sobre aqueles coincidentes frutos do acaso natural. Manhosos, demagogos e calculistas, logo transformavam tudo o que a eles causava reações temerosas em sofismáveis ambiguidades, no entanto de sentido único, já que eram a melhor semente e adubo para enraizar e fertilizar patranhas e crenças pretensamente sobrenaturais, que nunca tinham visto, conquanto não houvesse, jamais houve ou haverá testemunhos credíveis da sua existência, e cuja finalidade única era impressioná-los para os dominarem física e espiritualmente e, por reflexo, melhor se locupletarem com as mais-valias produzidas pelo seu esforço. Velhas histórias que não irei aqui escalpelizar – sosseguem os obscurecidos e intolerantes crédulos –, mas tão-somente asseverar que assim principiaram e se cavaram as assimetrias económicas e sociais, os desentendimentos, as imposições, as desumanas punições políticas e religiosas sem culpa formada, as guerras, a exploração, a ignomínia, a escravatura, a humilhação, o domínio do mal, o poder da força – a selvática lei.

Ainda de incipiente capacidade intelectual e óbvia tacanhez primitiva, muito lentamente, o homem foi observando e analisando e dispondo do que a natureza lhe oferecia, e, engenhosamente, dos arcos – única motivação deste trabalho – fez modelo para os seus artesanatos, que foi aperfeiçoando com a morosidade de milhénios, até se abalançar a outras construções comemorativas, mais grandiosas e de outro significado.

Primeiro foram os impérios orientais que dispondo de grande poder económico e religioso, mercê das riquezas concentradas no Delta do Nilo, no Egito, e nas férteis margens da extensa bacia hidrográfica dos rios Tigre e Eufrates, desde as montanhas da Anatólia, passando pela Mesopotâmia, hoje Síria, Irão e Iraque até ao Golfo Pérsico (com a Palestina entalada entre estes frutuosas povos), mais facilmente se dotaram dos melhores sábios do culto, de engenheiros e arquitetos para erigirem monumentais obras de homenagem a divindades consoante as suas religiões e outras civis ou profanas, unicamente para ostentação de riqueza, de poderio, de vanglória, ou para preservar os seus finados corpos,  a fim de que  as gerações vindouras pudessem celebrizar os seus ilustres nomes, as suas façanhas, os seus domínios e civilizações até à imortalidade.

Depois, já na vigência de impérios ocidentais mais recentes, Grécia e Roma, sobretudo Roma já que os monumentos na Grécia privilegiavam a arte, as ciências, as letras, o progresso e a economia, sem esquecer as construções em louvor das suas proeminentes figuras mitológicas, que eram, de certo modo, a concentração, o exemplo de vida e o motor de toda a cultura e pensamento helénico; por seu turno, Roma, grosso modo, assentava o seu poderio militar e económico nas conquistas expansionistas, e, depois de cada campanha vitoriosa, os generais, à frente dos gloriosos exércitos, regressavam triunfalmente, em apoteose, a fim de colherem os louros políticos, as mercês e títulos honoríficos que lhes eram devidos ou por eles exigidos, até atingirem o cume do poder, nomeando-se eles próprios césares e augustos – as divindades imperiais. Assim é que Septimo Severo, Galeano, Constantino, Marco Aurélio, Tito, etc., promoveram a construção dos magnificentes arcos que ainda hoje existem em Roma, arte que terão herdado dos etruscos ou toscanos que a haviam assimilado dos povos egípcios e assírios, para assinalar e perpetuar os êxitos alcançados pelas armas.

E o mesmo fez Napoleão. Depois de Austerlitz, e aquietados já diretórios, girondinos e jacobinos, o pequeno corso passou então a encarnar a esperança de todos os povos do mundo, designadamente das massas das nações europeias subjugadas pelas monarquias e oligarquias hereditárias, apodrecidas por séculos de domínio e apenas escoradas em pesados tributos que alimentavam faustosos luxos, escandalosos regabofes e mordomias imperiais e eclesiasticais, e no beneplácito bordão da sanguessuga – parceira viscosa que manuseava o ferrete a seu bel-prazer –, e mandou construir, ele Napoleão, além de outros monumentos, os triunfais arcos de Paris e do Carroussel, em Versalhes.

Seguiram-lhe o exemplo outras cidades do mundo moderno, incluindo Lisboa com o seu majestoso arco da rua augusta; e Cebola, sempre atenta a estes eventos e ao que de melhor se passava, se produzia e mostrava ao mundo, vai daí, erigiu também o seu – o passadiço. Arco que, além de grande utilidade para guardar forragens, ferramentas e produtos da lavoura, era duplamente triunfal: para pessoas e animais quando cabiam ao mesmo tempo … senão era à vez, com prioridade para os que se apresentavam primeiro, mas com especial deferência para carros de tração animal! Ainda hoje sinto uma terna saudade quando me lembro daquela imponência e beleza arquitetónica, e dentro de mim, sincero, triste e emocionado, plange o mesmo pensamento – “oh, o passadiço … que levou sumiço”!

As imagens seguintes, foram também “emprestadas” pelo Google, exceto uma ou ou duas do Xico.