É velha a história de quatro violas
braguesas oriundas dos valados, que se exibiam acompanhadas de poderosa e
arrasadora tuba, sendo hoje lembradas e impingidas até à saciedade com a
costumada bazófia, transbordando jactâncias tediosas sem limites, quase insultantes. Só tocavam música saloia,
género “pimba”, caseira, incipiente, mais parecendo as famosas sonatas da
“charanga do compadre”.
Relativamente, nesse tempo, facilmente
se impuseram e dominaram, há que dizê-lo; melhores que os concorrentes de cá e
de então, é indiscutível, mas só caseiramente, porquanto estes apenas tocavam
pandeiretas, ferrinhos, adufes e concertinas.
Não há registo de feito positivo nos
contatos com a estranja, quer em pleitos de seleção quer nas suas pelejas com
agremiações argentinas convidadas ou em digressão pela Europa. Em
representações internacionais «refastelavam-se» com10 da Inglaterra, da Espanha
e, em causa própria, contra os argentinos não houve melhoras. Estes, apenas com
os tradicionais e ancestrais instrumentos chiriguanos, taikas, charangos e
pilagas, brindaram-nos, em concertos harmoniosos, com inolvidáveis sinfonias de
tangos bem ensaiados e sublimes acordes. Tanguearam-nos e mimosearam-nos, aqui,
no seu reduto, com sete e oito, reduzindo-os àquilo que era, naturalmente, a sua
verdadeira essência: nadir, zero!
Que vergonha!
Bem me lembro de um saudoso e
conceituado relator comummente conotado com os valados quando, no relato de uma
destas contendas com o S. Lourenço de Almagro, gritava com alguma desilusão e tristeza: falta um quarto de
hora, os argentinos, já satisfeitos, brincam, tocando a bela música na sua
quinta e de lá, entretidos que estão, não lhes apetece sair.
Que baile! Que gozo!
Alguém se lembra daquele ataque composto
por Michael, Ceconato, Lacásio, Grilo e Cruz? Sim, eram eles os charangos,
taikas e chiriguanos; não violas e tubas…
Mas, situemo-nos no tempo:
Tinha acabado a II grande guerra. A
Europa ainda cheirava a pólvora e quase ainda não se tinham extinguido os ecos
de canhões e bombas lançadas a partir de fevereiro de 1945 pelos aliados, USA e
Inglaterra, sobre os centros das cidades alemãs e nipónicas, bem no centro para
causar maior impacto. Cidades indefesas pelo desenrolar da guerra, sobretudo
Hiroxima e Nagasaki, com armas atómicas, e os bombardeamentos a esmo a Dresden,
onde já só se encontravam doentes, velhos, mulheres e crianças. Só aqui pereceram
pelo menos 25 mil civis, e a cidade ficou completamente arrasada e destruída.
Por cá, embora não tivesse havido
bombardeamentos, sofreu-se e sofriam-se ainda os efeitos comuns de proximidade,
com os estilhaços sociais e económicos que causaram, por alguns anos, muitos
danos ao país e à população, tais como carências de artigos de primeira necessidade,
que obrigavam à aquisição de senhas e cupões para, em filas intermináveis,
comprar géneros alimentícios, incluindo o pão; racionamentos por decreto e,
até, bolhas de manifesta miséria e alguma fome.
Tempos de contrabando
Tempos de candongueiros
Tempos difíceis.
Foi em espetro de semelhante contexto que a maioria dos participantes opositores foi angariada nos modestos grémios, associações de aldeia ou de freguesia - Casas do Povo e Centros Populares de Recreio, Cultura e Lazer; disputavam apenas jogos de rua, sempre com acesa e bem viva rivalidade, muito brio e vontade, é certo, mas menos aptidão; vulgarmente apodados de “solteiros e casados”. Bairro contra bairro, aldeia contra aldeia, vila contra vila, em campos pelados, quantas vezes com charcos de água ou lamaçais se estiava; os equipamentos eram obsoletos, rudimentares. Botas desajustadas e com travessas, quando havia disponibilidade, senão, como recurso, era utilizada vestimenta própria e o calçado costumeiro - botas com brochas de aço, galochas, tamancos, ou sapatos domingueiros.
Raramente treinavam, já que o tempo e
energias eram gastos em trabalhos na lavoura, pedreiras, em fábricas, minas,
oficinas, escritórios, etc., donde quaisquer estatísticas de resultados e
desempenho desse tempo só abusivamente - e pouca-vergonha - podem ser
comparadas com as que hoje são conseguidas. Até o maior, o glorioso, com um
ataque mais modesto – dizia-se -, sem igual tuba, mas com prestimoso
cornetim, alguns pífaros e flautas, muito amor, dedicação e entrega, marcou, no mesmo ano, noventa e nove; o cabotino invejoso
sofreu 40, o glorioso 47. Por isto se pode avaliar o que eram as
estruturas para apoio e desenvolvimento, as táticas, estratégias e a qualidade
dos participantes.
Portugal só começou, enfim, a ganhar e a
ser conhecido e reconhecido quando «bateu» a Inglaterra por 3/1, mas já com
José Águas que marcou os três. E os clubes portugueses só conseguiram algum
relevo e evidência depois do Benfica ter ganho a taça latina. É aqui, pois,
indesmentivelmente, que se inicia a marcha para a grande revolução e
transformação do futebol português. É aqui que se inicia, reitero, pois que o
conceito e a consolidação ainda iriam demorar alguns anos…
Investigue-se.
Depressa se chegará à conclusão de que isto de violas dos valados é o maior embuste do futebol lusitano. O riso complacente nacional e internacional dos entendidos. Só chegou a este estado porque quem o inventou e difundiu foi o próprio treinador ou diretor técnico que era o fundador e dono do maior jornal desportivo de então, e que, recorrendo a bajulice para impressionar e contentar os pupilos e os seu sequazes, ali, que sendo propriedade sua ninguém o proibia, repetiu a lisonja em parangonas, para bem se interiorizar.
Olha se tivessem «aquele» (o “pipi”) que marcou quinze golos só em finais da
Taça de Portugal… Foi obra!
Obra gloriosa!…
Na verdade, o melhor ataque que
Portugal já teve – a temível “máquina infernal de fazer golos” – era composto
por José Augusto, Santana, Águas, Coluna e Cavém, que atingiu 103 golos num
campeonato, e o Benfica, com este ataque, foi campeão europeu um ano antes da
chegada do Eusébio. Estes sim, estes merecem ficar gravados para a posteridade
da História do futebol português. Com encaixes de verbas significativas, exibiram-se por convite em todos os continentes. Conquistaram o terceiro lugar no campeonato
do mundo (1966), tendo sido o ataque mais goleador, agora já sem Águas, Santana
e Cavém, mas com Torres, Eusébio e Simões em sua substituição. São os chamados
magriços.
Uma curiosidade que, lamentavelmente,
não é salientada onde e por quem o deveria ser, sobretudo pelos interessados: o
Benfica foi bicampeão europeu só com jogadores nacionais! Pasme-se…, mas isto é
uma verdade factual, incontornável e histórica. Seria orgulho para qualquer país
porque é feito único! Nem o Real Madrid com o seu grande e
inigualável palmarés, mas conseguido com a ajuda de Di Stefano, uma das maiores
estrelas argentinas de sempre.
E.T. – Se for detetada alguma imprecisão, que será difícil porque o que ficou dito foi vivido, basta dizer que, se reconhecida, será de imediato corrigida.
Constantino Braz Figueiredo