A origem deste sobrenome está ligada a uma lenda
atribuída a um ato heroico, talvez histórico, pretensamente ocorrido perto de
Vouzela, junto ou mesmo dentro de um figueiredo, por volta do ano 783 ou 784, no tempo do
domínio mourisco.
De guerreiros lusitanos, companheiros de Viriato, já só restavam descendentes e históricas lembranças esbatidas pelo tempo, e
o mesmo se poderia dizer dos usurpadores romanos que foram enxotados pelos guerreiros
de origem germânica, os alanos, suevos e visigodos, que gradativamente foram
anexando todas as possessões do Império Romano do Ocidente, até que os mouros
ou sarracenos, oriundos do Norte d’África, em cruzadas de expansão comercial e
propagação da doutrina de Alá invadissem a Península Ibérica e passassem eles
próprios a dominar quase todo este vasto território. Eram também de religião islâmica,
mas nada se pareciam com aqueloutros do oriente que professavam a mesma fé, os
seljúcidas, bárbaros, cruéis, de uma selvajaria atroz – pilhar, incendiar,
matar sem qualquer comiseração era o seu lema. Estes, ao menos, eram cultos e
civilizados e comportavam-se com alguma compreensão, dando mostras de aceitação
para com os povos dominados e até com eles se misturando e convivendo desde que
cumprissem as leis impostas, leis, no entanto, que eram por vezes estranhas e
bem difíceis de aceitar por gente de cultura ocidental e prática cristã.
Mas, como todos os conquistadores, tinham as suas
exigências e não abdicavam dos espólios, tributos e vassalagens a troco de
tácita e hipócrita tolerância. Sabidos!... Muito sabidos. E uma dessas
dolorosas e socialmente inaceitáveis imposições do Emir de Córdova, Abderramão
(mais tarde os sucessores seriam califas), foi ter decretado cobrar aos
vencidos um tributo de 100 donzelas anuais! Imagine-se!... Não era parco a
exigir este varrão palaciano!... Estava mal habituado! Inconformados com essa
absurda exigência, os fidalgos e o povo ibérico revoltavam-se, resistiam sempre
que eles iam cobrar esse tributo, mas quase sempre em vão.
Porém, de uma vez em que os mouros conduziam seis
raparigas para entregarem ao emir, num figueiral (ou figueiredo), nas
imediações de Vouzela, eram discretamente observados por um destemido fidalgo,
Goesto Ansur, natural da zona de Lafões, que por ali andava à caça. Ao ver
tamanha ignomínia investiu contra os mouros espadeirando tudo o que mexia –
mouros ou mouriscos e árvores que se atravessassem. Quebrada a espada na
refrega, pegou num galho de figueira e, tanganhada praqui tanganhada pralá,
conseguiu levar de vencida a escolta maometana, logo devolvendo as chorosas e
inconsoláveis meninas aos seus pais, excepto a mais bela, filha do dono do figueiredo,
pois que, como ali constava, já era a sua prometida – justificação mais que
suficiente para tanta procura de “caça” e maior coragem e força desmedida.
Quanto aos mouros, tristes, rotos e feridos, foram devolvidos ao emir com a
seguinte legenda escrita em pele de bode: las ninas som nosas; se vos apela
ordenay vossos hombres en busca de figos, em el figueiredo hay muytos.
Será mesmo uma lenda? Será, mas os habitantes de
Figueiredo das Donas têm muito respeito por ela e crêem, honestamente, que terá
alguma verosimilhança com a realidade, a avaliar pelo documento que “tomei
por empréstimo” do seu site, o qual guardam com orgulho e religiosidade, e que
será, segundo o dizem, o primeiro poema conhecido no território que só viria a
chamar-se Portugal trezentos e cinquenta anos depois…
No figueiral figueiredo
a no figueiral entrey,
seis ninas encontrara
seis ninas encontrey,
para ellas andara
para ellas andey,
lhorando as achara
lhorando as achey,
logo lhes pescudara
logo lhes pescudey,
quem las maltratara
y a tam mala ley.
No figueiral figueiredo
a no figueiral entrei,
vuma repricara
infançon nom sey
mal ouuesse la terra
que tene o mal Rey
seu las armas vsara
y a mim sse nom sey.
Se hombre a mim leuara
de tam mala ley,
a Deos vos vayades
garçom ca nom sey
se onde me falades
mais vos falarei
No figueiral Figueiredo
a no figueiral entrey.
Eu lhe repricara
amim sse no irey,
ca olhos dessa cara
caros los comprarey,
a las longas terras
entras vos me irey,
las compridas vias
eu las andarey,
lingoa de arauias
eu las falarey.
Mouros se me vissem
eu los matarey.
No figueiral Figueiredo
a no figueiral entrey.
Mouro que las goarda
cerca lo achey,
mal la ameaçara
eu mal me anogey,
trocom desgalhara
troncom desgalhey,
todolos machucara
todolos machuqey,
las ninas furtara
las ninas furtey,
la que a mim falara
nalma la chantey.
No figueiral Figueiredo
a no figueiral entrey
A partir daquele ato todos os familiares de
Ansur – o herói - passaram a usar o sobrenome Figueiredo, mas a genealogia dessa família só é encontrada com um seu
quinto neto, de nome Soeiro Martins de
Figueiredo, conforme registos datados de 1211 e 1245, do tempo dos reis de
Portugal D. Afonso II e D. Sancho II.
Figueiredo não deriva, pois, de figueira nem de
figueiral; um figueiredo é o mesmo que um figueiral, e uma figueira é apenas
uma unidade de um figueiredo ou de um figueiral, portanto está longe de ser o
mesmo que oliveira em relação ao olival, de pinheiro a pinhal ou de bananeira a
bananal. Considere-se, assim, que um Figueiredo – agora já como nome, por isso
escrito com maiúscula – contém toda a floresta, é um todo, um figueiral, enquanto
oliveira, por exemplo, é apenas uma unidade de um olival… ou, dito de outra maneira,
nunca poderemos tomar um Silva por um silvedo, nem uma figueira por um
Figueiredo. Quanto a vós, ilustres cebolenses, e não só, se quiserdes figos
procurai um figueiredo… ou figueiral!...
Constantino Braz Figueiredo