A
Partilha
O intercâmbio cultural,
social e até político tido e apreendido pelos trabalhadores nos
contactos mineiros das gerações anteriores e das gerações minhas
contemporâneas, pouco a pouco, quer se queira quer não, foi-se
entranhando na mente do povo em geral, com larga influência nos seus
hábitos. Sou do tempo em que Cebola adquirira já estatuto de aldeia
sui generis com tendências progressistas e cosmopolitas, sem
perder ou empenhar a sua imutável essência e consciência coletiva,
pontificada pela religiosidade, pelas tradições, pelos princípios
e valores fundamentais que nos guiavam, e pelo exemplo e zelo das
famílias mais ancestrais e conservadoras – arquibaluartes duma
comunidade que sempre se quis. O mundo tomou conhecimento da nossa
existência enquanto povo através da importância do minério, do
volfrâmio – e veio até nós. Chegou à cata de trabalho, emprego
seguro, uma preciosidade difícil de encontrar, a despeito das
pesquisas levadas a cabo em todo o terreno de qualquer latitude.
Até ao advento mineiro,
entre as aldeias circunvizinhas, por falta de estradas e meios de
deslocação, apenas esporadicamente se convivia, e quase se ficava
pelas visitas anuais às festas, algumas com estatuto de romarias.
Quantas vezes com os sapatos aos ombros, pendurados pelos atacadores,
se atravessaram aquelas serras em direção ao Norte – Covanca por
aí fora até bem para lá do Piódão, objetivando a Senhora das
Preces, Vale de Maceira, já no concelho de Oliveira do Hospital; ao
Paul, (Senhora das Dores); a Santa Luzia do Castelejo com os seus
famosos bombos –, para cumprir promessas ou apenas para conviver e
ver outras caras, novas gentes, e poder ser visto por olhos de
novas caras de outras gentes. Mas a partir de então,
candongueiros e mulas alugadas, trabalhadores individuais, em grupo
ou com as suas famílias das aldeias do concelho e dos concelhos
limítrofes, de vários pontos do país e até do estrangeiro,
entraram-nos porta adentro fixando-se na Panasqueira, Barroca Grande
e Rio, em barracões imitando casernas e casas adrede construídas
para os albergar, e trocaram connosco o seu saber e as suas
experiências no convívio e na convergência da luta pela vida no
novo eldorado, de cujos efeitos nocivos para a saúde ainda
havia pouco ou nenhum conhecimento.
Vinham carregados de fé
e expectativas; mas não se pense que todos eram brocas e
ponteirolas para esburacar o ventre da terra… Não! A
maioria, sim, seria pessoal indiferenciado, mas entre eles vinham
engenheiros de minas, engenheiros civis, arquitetos, grandes crânios
em serralharia e eletricidade, médicos, paramédicos, ecónomos,
artífices, além de especialistas em gestão de pessoal e
processamento, desenho e contabilidade, e um grande número de
administrativos que povoaram apontadorias e o próprio escritório
central, com vários departamentos e secções das mais diversas
áreas e funcionalidades.
Fixaram-se em bairros
dispostos em filas de vários lares contíguos, descendo em socalco
pelas encostas, os de emprego mais modesto, já que os quadros médios
tinham melhores condições em outros bairros com casas dotadas até
com uma pequena horta ou jardim, e os quadros superiores, esses, os
senhores doutores e engenheiros, dispunham de bem melhores regalias
no chamado Bairro Azul, com campos de ténis, piscinas, etc.
Tudo era sustentado por uma Companhia da estranja que possuía também
um louvável hospital privativo e cumpria a lei para com o Estado e
as autarquias…Tal era o lucro da exploração do “nosso” bem
cotado volfrâmio!!!...
A breve trecho todas as
comunidades, e o acolhedor povo de Cebola entre elas, por força da
natural cumplicidade sustentada em compreensíveis interesses
coincidentes, pelo convívio no trabalho, nas coletividades, e na
participação em iniciativas lúdicas, culturais e desportivas,
levadas a cabo sobretudo pela poderosa juventude cuja alegria e
encanto derruba todas as paliçadas sociais ou convencionais,
conviviam entre si como se todos pertencessem a uma mesma autoctonia.
Dado sermos os legítimos
patriarcas anfitriões, ao mesmo tempo que adquiríamos hábitos,
conhecimentos e uma maneira de estar já muito diferente dos
conterrâneos do antanho, podíamos servir de exemplo aos desgarrados
forasteiros, aquela gente do mundo que nem sequer se conhecia, a
viver em comunidade e, sem desprezo pelas raízes, com eles aprender
também, com muita gratidão, onde era e como era o mundo.
Constantino
Braz Figueiredo